sexta-feira, abril 21, 2006

Editorial do Público — Propinas

A OCDE não perdoa
José Manuel Fernandes, Editorial do Público

Muitas das soluções propostas pela OCDE não são novas, em especial na área da educação. Cabe perceber por que nunca foram concretizadas

Portugal padece há muito de um mal antigo: sabemos fazer planos, mas passá-las à prática é o diabo. "Défice de implementação", dirão os especialistas. Muita ronha e muita resistência à mudança, acrescentaremos nós, sem esquecer a instabilidade nas políticas e falta de determinação na sua concretização.
O relatório da OCDE ontem divulgado volta a confirmar este diagnóstico. Da economia à educação, quase tudo o que lá vem era conhecido, muitas das soluções indicadas até já estiveram previstas, mas... por cá seguimos mais ou menos na mesma repetindo ano após ano os mesmos relatórios salvadores.
Tomemos o caso da educação, mais focado este ano pela OCDE. Há quase oito anos, quando saiu do Ministério da Educação, Marçal Grilo garantia que o barco ainda mal tinha saído do porto, mas estava no rumo certo. Seis ministros da Educação depois (seis!) o barco continua mais ou menos à deriva apesar dos milhares de relatórios e até das bem intencionadas leis que se foram fazendo. Provavelmente o próprio Marçal Grilo o terá entretanto percebido, pois já regressou algumas vezes ao espaço público para tentar corrigir algumas orientações (recorde-se, por exemplo, o "empurrão" que deu para que fossem divulgados os rankings das escolas do ensino secundário ordenados de acordo com os resultados obtidos pelos alunos nos exames do 12.º ano e, mais recentemente, como interveio sugerindo uma maior liberdade de escolha de pais e alunos relativamente à sua escola).
Na verdade o "barco" tem levado muitos solavancos e navega num mar onde os recifes são tantos que o risco de encalhar é elevadíssimo, apesar de muitos serem os que vêm repetindo aos sucessivos comandantes para terem mão firme no leme. E seguirem algumas das recomendações que a OCDE repete neste seu relatório e que nem sequer são especialmente originais.
Aumentar as propinas no ensino superior público? Compensar esse aumento, no caso dos estudantes mais necessitados, com empréstimos reembolsáveis depois de ingressar na vida activa? Corrigir a evidente desigualdade social que o actual modelo acentua? Tudo isso já foi dito e redito por muita gente, tudo isso já foi aplicado em muitos outros países, tudo isso já foi também defendido nestas páginas. Com a falta de resultados que está à vista.
Reforçar a autonomia dos estabelecimentos de ensino básico e secundário? Responsabilizar mais os seus directores, formando-os e premiando-os em conformidade? Racionalizar a rede de estabelecimentos públicos? Os mais responsáveis também não se têm cansado de o referir, houve momentos em que se julgou que até se fariam as leis necessárias, mas a verdade é que se nalguns casos se tomam medidas certas (fechar as escolas que quase não têm alunos), noutros caminha-se em sentido inverso (como quando se insiste na colocação centralizada de professores e agora se acrescenta um mecanismo de aprovação centralizada dos livros escolares).
Pela 5 de Outubro têm passado ministros muito diferentes, alguns bem intencionados e determinados, outros nem por isso, mas a verdade é que quando se olha para aquela casa percebe-se que quem manda realmente nela é o seu monstruoso aparelho formado quase exclusivamente por professores, alguns dos quais não dão aulas há demasiado tempo. Um só número permite perceber como tudo naquela casa está invertido e tem sido feito mais em função dos interesses desses professores, e dos seus sindicatos, do que da educação: é o que indica que 93,4 por cento do orçamento vai para pagar salários, contra uma média na OCDE de 74,4 por cento. Como se costuma dizer, sigam o dinheiro e vejam onde está o poder. No Ministério da Educação a pista não engana...